Helena, um belo prelúdio de amor e as fantasias desfazendo-se no umbral da porta, acenos distraídos, um cheiro a bolos daqui a pouco. Comia o meu bolo de arroz em passeios sem nexo no corredor que dava passagem para o atelier de modelo vivo. Bebia as minhas próprias légrimas virtuais, humilhado pela mediania do exílio e pela cada vez mais clara pobreza, desactualizada, daquele curso -- Aldemiro como penosa imagem de tudo isso, professor amável e inútil, refém da sua única corda vocal e das bibliotecas e museus que lhe favoreciam certas descobertas, a par do trágico comportamento do século. Tombavam tectos de novo, as abóbadas tinham fissuras inquietantes, os canos vertiam fios de água para dentro das grossas paredes, havia humidade um pouco por toda a parte, vozes longe, na envolvência da realidade e da memória. Bolor. Bolores nos arquivos de belos desenhos arquitectónicos e cópias de ânforas do Mediterrâneo. Caves cheias de «Diários do Governo» e de ratos, num fedor que emergia de outras caves mais fundas, esgotos, labirintos da morte. Como no cinema. Mas sem a fúria e a vertigem de travellings impossíveis. Quem descesse a essas novas cavernas da civilização contemporânea, numa deriva de que jamais sairia, usando em todo o caso lanternas e máscaras, formaria, a curto razo, passos arrastados, brevíssimos, imersos na lama escorregadia ou nos vales mais profundos onde uma água barrenta e esverdeada acabaria por imobilizar o aventureiro, borbulhando em torno do se pescoço.
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curto excerto do livro a sair em breve, de Rocha de Sousa, «Belas Artes e Segredos Conventuais»
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curto excerto do livro a sair em breve, de Rocha de Sousa, «Belas Artes e Segredos Conventuais»
in CONSTRUPINTAR02
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ONDE OS ARTISTAS APRENDEM
O CÓDIGO DO SUCESSO
estas histórias derivam de viagens
que as editoras desconhecem, preferindo
receitas e nomes de uma
falsa segurança
Livrarias: LER (C.Ourique). Sá da Costa (Chiado), Buchholz
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UM NOVO LIVRO
ENQUANTO NEM TODOS OS HOMENS CEGAREM
Um personagem novo, «senhor aluno», faz, no livro, o trajecto do curso. Com êxito. Ao terminar, é mobilizado para a guerra colonial, onde permanece dois anos. Volta com as marcas habituais nestes casos e a sorte de ter um trabalho estável no liceu D. João de Castro. Pouco depois é convidado para assistente na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa, onde inicia uma normal carreira académica: trata-se da segunda parte do livro, então um espaço da mesma Escola, visto, sentido e descoberto pelos olhos de um ainda jovem professor. Primeiro havia colegas. Agora há alunos. Todo o livro é um grande fresco sobre o tema, as épocas, as gerações, as crises, os segredos conventuais, sempre numa terrível resistência contra o arbítrio e as armadilhas da penúria, sob a sombra do regime e da própria direcção da Escola.
BELAS-ARTES E SEGREDOS CONVENTUAIS é um documento nunca tentado antes, em jeito de ficção. Um livro sobre a loucura suspensa, a demência honesta e a emergência imparável dos abusos do poder.
Depois de 13 anos (já depois do 25 de Abril) gastos a convencer os governos do país de que as artes, referências de civilização, deveriam aceder à Universidade, entre situações psicóticas e um desdém incompreensível da parte dos políticos, o trabalho continuou até ao exílio de alguns docentes mais dilacerados, num paradoxal triunfo dos menos empenhados.
Apesar do doutoramento e da Universidade, conquistas sinuosas, o «aluno professor», solitário na confusão dos interesses, não espera pelo título: sai discretamente e sem ninguém dar por isso.
Sousa Carneiro
in http://www.rochasousa.blogspot.com/
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