Miguel Franco ( Miguel Carlos Franco)nasceu em Leiria a 14 de Abril de 1918.
Infância e adolescência passa-as entre a escola, o trabalho e o
“Terreiro”.
Nos seus contos-memória, sobretudo em “O Estroina” revive-se o
ambiente da época:
“ criançada “ à solta brincando aos circos na imitação da vida.
O Estroina-herói* vem alegrar as ingénuas corridas, as rixas, os
sonhos das crianças a quem foram negados os colos tão cedo
ainda!...
Miguel Lino é o sonhador dos circos.
E as garotas, de olhos tímidos: … o medo dos rapazes espreita em
cada pedra, em cada esquina.
Mas ousam partilhar as brincadeiras, as cantigas tão pudicas de
então…
E os miúdos educados pelas mães soltam as diabruras, crescendo
numa vida de apostas sucessivas,
fazendo-se Homens apenas sobre os seus próprios pés.
Da criança de 1918 sai este homem sempre à espera do dia seguinte.
Do circo e dos teatros de rua passa para o teatro amador, actividade
em que se inicia em 1942.
Em 1950 funda o Grupo de Teatro Miguel Leitão de que é o principal
dinamizador. Para a acção deste grupo amador pôde contar com o
carinho e colaboração de amigos que a ele se chegaram numa
vontade comum de levar teatro a todos os pontos do País.
Depois de Tá-Mar* de Alfredo Cortêz e depois de conquistados vários êxitos,
Miguel Franco repensa o teatro amador como modo de cultura e faz
representar Gil Vicente com a Farsa de Inês Pereira** em ambientes
adaptados no Castelo de Leiria, Convento de Tomar e Mosteiro de
Alcobaça,num intento de fazer coabitar o espaço / teatro históricos.
*1º Prémio do Festival de Teatro Amador, instituído pelo ex SNI
**2º Prémio do Festival de Teatro Amador, instituído pelo ex SNI
Nesta linha e em substituição do Grupo de Teatro Miguel Leitão
anteriormente extinto (1964) por “provincianas guerrilhas de opinião”
Miguel Franco organiza, em conjunto com a Liga dos Amigos do
Castelo de Leiria os “Festivais de Arte de Leiria” em 1972, fazendo
encenar por Luís Tito (convidado) “Os Persas” de Ésquilo.
Sem êxito o projecto proposto, envereda definitivamente pela
actividade cinematográfica, acedendo a convites formulados por
Cunha Telles ( “O Cerco”) ,
por Manuel Guimarães (“ O Crime de Aldeia Velha” , Trigo e o Joio”, “Lotação Esgotada”),
por António Vitorino de Almeida (“A Culpa”)
por Lauro António (“ Manhã Submersa”)
por António Macedo (“Domingo à Tarde”)
por Artur Semedo ", O Rei das Berlengas " entre outros... (VER FILMOGRAFIA)
Domingo à Tarde de António Macedo |
Crime de Aldeia Velha de Manuel Guimarães |
Como autor publica em 1964 “O Motim”
( do qual vem a desempenhar
o seu último papel como actor em 1986 como “juiz do povo”
aquando da homenagem que lhe é prestada por “A Tela” de Carlos Fragateiro)
Mais tarde publica “ A Legenda do Cidadão Miguel Lino” **à qual é
atribuído o “Prémio Almeida Garrett” pelo Ateneu Comercial do Porto,
“O Capitão de Navios”.
Prepara entretanto “Leanor da Fonseca Pimentel”, nunca terminada e
recolhe projectos vários…
Em 1987, Jorge Listopad entrevista-o já doente na sua casa em
Queluz já afastado da terra onde nasceu, a que tanto dera.
Morre em Lisboa a 19 de Fevereiro de 1988.
*Miguel Franco,na sua alma de poeta e humanista, presta nesta peça homenagem a uma das
figuras da sua infância que povoam o seu imaginário.
Cecílio Flor
Quando eu era menino, havia o Cecílio Flor.
Toda a cidade, ruas e casas, gentes e coisas, e as ervas esquecidas das valetas,
exalavam perfume, quando lá vinha o Cecílio Flor.
Era grande, era enorme para os meus olhos de menino, e eu ficava-me parado e
pasmado quando ele atravessava a Praça dos Arcos, numa nuvem de música, e os
lojistas, senhores do balcão, saíam e ficavam parados às portas, porque lá vinha o
Cecílio Flor a tocar ocarina.
Tinha um som de prata, de flauta e de búzio, a ocarina do Cecílio Flor, e a Praça dos
Arcos ficava cheia daquele som, agudo e redondo, quando ele lá vinha, cego e
descalço, numa nuvem de música.
Ele não era realmente Cecílio Flor. Era só Cecílio, mas eu acrescento-lhe a flor, para
dar nome àquele som fresco e aveludado.
O rapazio seguia-o e provocava-o, porque ele era cego, e o Cecílio Flor, tão grande e tão
forte, chorava num choro rouco e muito fundo, e tão pisado como uma flor
amachucada.
No outro dia, lá vinha o Cecílio Flor, e as músicas e os sons longos, finos e graves,
soltavam as asas, enquanto ele, cego e descalço, atravessava a Praça dos Arcos a tocar
ocarina.
Miguel Franco
(contos inéditos não datados)
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