Exposição de Fotografia
INAUGURAÇÃO: dia 27 de Abril às 19:00 - galeria PROVA DE ARTISTA
Rua Tomás Ribeiro, 115 Lisboa (ao Hotel Real Palácio)
DESENROLANDO O ESCONDIMENTO
No tremendíssimo ruído do nosso tempo, a meio de tempestades, terramotos e guerras insanáveis, tudo parece emergir do fundo de nós, um medo, um desejo de pacificação. A fotografia é, entretanto, um extraordinário meio de registo, a imagem incandescente para memória futura. Mas a sua temática plural, aberta à expressão das coisas e dos seres, não se retém nos rostos, rostos dementes, alienados, no limite: como no século XX, a fotografia está hoje ao dispor de trabalhos performativos quase insensatos ou à concentração de olhares em aprendizagem, que alcançam mobilidades concretas e conceptuais, seguindo, inclusive, a geometria do mundo, a vida e o uso dos materiais.
Essa pesquisa (se não se tratar de mero devaneio) corresponde a uma exacta disciplina do ver, da síntese dos grandes teatros de imagens. Como nos mostra Miguel Baganha, sempre mais interessado nas surpresas de coisas sem sentido, belas em si mesmas, campo apropriado ao grande interesse que o fotógrafo denota relativamente ao close-up, às esquinas que apagam as frontarias, aos nódulos da casca das árvores ou restos, novos inícios, das indústrias de transporte de líquidos, combustíveis, fontes desdobradas para uma hidratação em rede. Ele tanto pode interessar-se pela transformação das coisas, mudando a posição ou a óptica da câmara, como pode seguir caminhos onde qualquer registo se limita a rectângulos de pedra, fios de plantas meio mortas, terra marcada pelo rodado de alguns carros de tracção animal.
Aqui, e desta vez mais do que o close-up, desconstrutivo ou reconstrutivo, Miguel descola várias derivas pela colossal armazenagem de vários tipos de tubagem enrolada, atada, aqui e além, com um simples laço de corda, tubos de calibragens diferentes, estreitos e largos, duros e razoavelmente maleáveis, formando cilindros de acolhimento e manipulação do espaço. Por vezes, talvez muitas vezes, o registo abarca, apertadamente, o interior em túnel das arrumações ocas e a romper o limite do campo, revelando a textura da matéria ao lado de rolos mais desarrumados, porque flácidos, de tubos estreitos. O olho mágico do ver, aqui e além, desvenda a textura longilínea das paredes inorgânicas, enroladas pelo método da elipse contida, prontas a perderem este afrontamento performativo — um dia desenrolando-se, fio condutor assente em valas rectas, a perder de vista, um dia sepultadas mesmo, borbulhando nos usos incontinentes. Registo de uma realidade perdendo-se, olhar pragmático para a distância dos gestos intimistas. Aqui, os montes de materiais são um testemunho dito e ambíguo da geometria onde a linha se apaga ou enrola para caminhos de muito longa distância.
Rocha de Sousa
(Professor Universitário/Crítico de Arte)